O IV SBHSF, nesta quinta-feira (15), convidou cientistas nacionais para discutir, junto com os membros do CBHSF, temas caros à Bacia do Rio São Francisco. Na parte da manhã, o foco foram as ações de Educação Ambiental e sua importância para a revitalização do Velho Chico, e, na parte da tarde, o destaque foram os desafios da a Transição Energética no Brasil e no Mundo. Iniciado na quarta-feira (14) em Belo Horizonte, o encontro procura aplicar o conhecimento científico na realidade da bacia a fim de atender suas demandas por um rio São Francisco e afluentes sustentáveis.
“Não podemos nos dar ao luxo de perder as sementes do futuro”
O professor Newton Ulhôa, da Universidade Federal de Minas Gerais, abriu os trabalhos da manhã compartilhando os estudos sobre a invasão biológica do Mexilhão Dourado, que tem despertado grandes preocupações para a Bacia do Rio São Francisco. Espécie exótica no Brasil, o mexilhão chegou ao país através da Bacia do Rio da Prata há mais de 30 anos e já alcançou o rio São Francisco. A projeção, de acordo com o modelo de evolução chamado “autômato celular”, utilizado nos estudos, é de que até a década de 2030 a invasão tenha infestado todo o Velho Chico, e, na de 2050, já tenha alcançado a Bacia Amazônica. Para Newton, “a hipótese mais forte dessa invasão ter chegado ao rio São Francisco é de que ele tenha sido levado do Sudeste através dos peixamentos. Essa invasão impacta não somente o turismo – na região do Baixo São Francisco, onde a presença dele é maior, sua morte causa forte odor –, como também o fornecimento de energia, uma vez que esse ser pode entupir tubulações e comprometer turbinas”. Segundo o cientista, já há mais de 60 usinas hidrelétricas invadidas pela espécie no Brasil, com um prejuízo anual de cerca de 16,6 milhões de Reais com controle e prevenção das infestações. Além disso, Newton enfatizou que “invasões biológicas e mudanças globais se influenciam mutuamente, uma vez que degradação ambiental atua sinergicamente com invasões biológicas. Nesse sentido, a conservação da biodiversidade e o manejo de espécies invasoras é positivo”, finalizou.
Após essa primeira palestra, três pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) compuseram a mesa redonda que procurou apresentar as contribuições das expedições científicas que ocorrem na região do Baixo São Francisco. Segundo Emerson Soares, mediador da mesa e um dos coordenadores das expedições, são 60 pesquisadores que atuam em 35 diferentes linhas de pesquisa O primeiro pesquisador a falar foi o professor José Vieira, Coordenador do Centro de Referência de Recuperação de Áreas Degradadas da UFAL. Ele promoveu uma profunda reflexão sobre a importância da educação ambiental na revitalização do Velho Chico. Ele explicou que o projeto de educação ambiental para crianças que ele lidera se concentra no Baixo São Francisco, uma vez que “é um laboratório natural para o desenvolvimento de políticas públicas, onde todos os microambientes representativos da bacia como um todo estão presentes”. Vieira provocou os presentes a se atentarem para o fato de que faltam políticas públicas e educação ambiental e de que “as ações realizadas por todas as esferas de poder são superficiais ou paliativas, assim como o modelo atual de turismo enriquece apenas poucas empresas, sem retorno para a sociedade e o meio ambiente”. Ele também ressaltou a importância das comunidades ribeirinhas nas ações de proteção e revitalização do rio. “Se não houver o envolvimento dos ribeirinhos, as ações não serão efetivas. Eles estão num estado de dissociação entre as causas e problemas que afetam o rio São Francisco. As crianças entre 7 e 10 anos são o nosso público ideal, pois dão melhores respostas às ações. O Brasil não pode se dar ao luxo de perder as sementes do futuro”, disse, referindo-se às crianças em situação de fragilidade social e marginalizadas.
Após Vieira, a professora Themis Silva, também Coordenadora das Expedições Científicas, mostrou alguns resultados de pesquisas realizadas com biomarcadores para aferir a saúde ambiental do rio São Francisco. O trabalho consiste em verificar os indicadores biológicos – neste caso, peixes – através de biomarcadores como material genético, bioquímico e histológico em busca de anormalidades que possam apontar para os problemas da calha do rio. Como exemplo, ela demonstrou que, em 2020 e 2021, os peixes com mais anormalidades no micronúcleo das células foram os encontrados na região de Piranhas. Esta mesma cidade, em 2019, também continha os peixes com maiores anormalidades bioquímicas, que verificam substâncias no sangue desses animais que apontem para estresse. “Por que Piranhas foi a cidade que mais apresentou essas anormalidades? A hipótese é que Piranhas é a primeira cidade que recebe a água represada nas barragens, contendo contaminantes de toda a bacia a montante. A poluição aumenta o estresse do peixe, aumentando a presença de enzimas que combatem o estresse”, pontua. Como ações para reverter a atual situação do rio, ela sugere o tratamento de efluentes, o controle dos agroquímicos, a restauração das matas ciliares e o respeito à legislação sobre as vazões aceitáveis do rio.
Fechando a mesa, o professor Gilson Rambelli, Coordenador do Laboratório de Arqueologia de Ambientes Aquáticos da mesma universidade, apresentou a perspectiva do PSC – Patrimônio Cultural Subaquático, tema ainda pouco explorado no Brasil uma vez que, segundo ele, “as pessoas ainda pensam em navios afundados cheios de tesouros”, mas Gilson esclarece que o rio São Francisco não está tão distante dessa realidade. Nas muitas investigações do laboratório, foram encontrados itens como espadas, moedas e mesmo embarcações de grande porte, que, analisadas, são deixadas no mesmo local. Segundo Gilson, “os objetos encontrados pertencem a todos, não devem ser coletados, não são de quem achar. Esse tipo de ideia de fazer uma aventura romântica e lucrativa de ‘caça ao tesouro ou ao souvenir” é danosa ao patrimônio subaquático – embora o Brasil não considere a ação ilegal, na contramão do mundo”. Ele conta que os pesquisadores tomam cuidados especiais com a conservação dos artefatos, pois eles estão em equilíbrio com o meio. Por isso, ele considera que a arqueologia subaquática tem características forenses, e brincou: “arqueologia subaquática é a versão molhada da arqueologia”. Para Gilson, os materiais encontrados guardam uma memória ribeirinha que, quando cotejada com os saberes tradicionais, podem recuperar rastros de sociedades mesmo antes da colonização ou mesmo influência de lugares distantes do globo.
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“Defendemos uma transição energética justa, popular e inclusiva”
A parte da tarde foi aberta com uma mesa redonda que discutiu a questão energética brasileira. Mediada por Sérgio Xavier, jornalista e articulador da iniciativa “Governadores pelo Clima” do Centro Brasil do Clima, os pesquisadores discorreram, sobre diferentes perspectivas, a atual conjuntura da matriz energética do país e suas perspectivas para as próximas décadas. Sérgio iniciou com uma provocação: “que matriz energética queremos e para quem? Os povos indígenas são os últimos canais vivos que nos permitem um contato direto com a natureza, e precisamos perceber isso. Eles são o pensamento humano conectado com a natureza. Como o setor de energia pode ser redesenhado para fazer não só a produção de energia limpa mas também se preocupar com distribuição de renda inclusiva, que reduza a desigualdade e regenere o meio ambiente?” Em seguida, a palavra foi passada para Roney Vitorino, que atua na Diretoria de Energia Elétrica da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), empresa pública federal vinculada ao Ministério de Minas e Energia do Governo Federal. A EPE desenvolve “estudos e estatísticas energéticas para subsidiar a formulação, implementação e avaliação da política energética nacional”. Em sua fala, Roney destacou que a matriz energética brasileira é, hoje, “praticamente 90% renovável”, baseada em mais de 60% em energia hidrelétrica em termos de capacidade instalada. Esse caráter renovável coloca o país à frente da maior parte dos países industrializados do mundo, contando, inclusive, com o fechamento de algumas termelétricas em fim de contrato, o que aumentaria essa participação da energia renovável. No entanto, há desafios pela frente. O Plano Decenal de Energia (PDE), elaborado com a EPE e o Ministério de Minas e Energia, e que prevê a expansão da geração centralizada de energia, foi elaborado durante o momento de pior escassez hídrica da série histórica brasileira. Como o futuro da segurança hídrica parece incerto, Roney afirma que o PDE “se apresenta como um instrumento fundamental para responder aos desafios impostos pelas incertezas inerentes ao planejamento de um sistema de base renovável”. Para isso, a empresa julga necessário um planejamento para apoiar o diagnóstico da operação futura do sistema elétrico.
Luciano Losekann, professor da Universidade Federal Fluminense e Vice-Diretor da Faculdade de Economia da mesma universidade, apresentou o cenário das transições energéticas, comparando as tendências internacionais com a experiência brasileira. Luciano conceituou a transição energética como o “processo que os países passam de descarbonização das matrizes energéticas” através da “difusão de fontes de energias limpas”, como a eólica e a solar, projetando ganhos de eficiência e redução das emissões de carbono. Segundo ele, mais de 70% das emissões de CO2 estão no setor energético, e a eletrificação dos usos finais dessas matrizes constitui um dos pilares dessa transição. “Aquilo que não puder ser eletrificado será substituído por hidrogênio verde, pois, entre as metas da transição energética está tornar as energias eólica e solar as principais fontes de eletricidade globalmente antes de 2030, com a redução da demanda de carvão em 90% e a de petróleo em 75% até 2050”, conta. Já a realidade do Brasil em termos de energia renovável é mais promissora. Luciano demonstrou que a intensidade da emissão de CO2 no Brasil em 2018 já está dentro da meta mundial da Agência Internacional de Energia (IEA) para o ano de 2040 – de 100g por kWh –, “colocando o Brasil 20 anos à frente do restante do mundo no processo de descarbonização”, celebra. No caminho, há desafios importantes, que incluem “avançar em novas tecnologias, como biocombustíveis mais avançados; conciliar a descarbonização com a abundância de combustível fóssil achado no Pré-Sal; incorporar os aspectos sociais para garantir uma transição energética justa; entre outros”.
O terceiro participante da mesa, Heitor Scalambrini, membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental e professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco, iniciou pontuando que “não existe geração de ‘energia limpa’, que não provoque nenhum tipo de problema ao meio ambiente e às pessoas. É importante salientar isso porque, ao dizermos ‘energia limpa’ estamos abrindo caminho para que empresas abandonem os relatórios de EIA/RIMA sob a alegação de que não há impacto ambiental nos projetos”. Sua fala seguiu na direção de discutir uma transição energética que contemple a mitigação dos danos ambientais e das violações de direitos. Para ele, o centro da discussão é “a vida no nosso planeta. É isso que está em jogo. Estamos vivendo o momento da emergência climática, problema que não se resolve hoje, nem amanhã”, disse. Ele traçou um panorama em que se pode constatar que quem mais emite gases de efeito estufa no Brasil são o desmatamento, a agropecuária e o setor energético. Para reverter esse cenário, Heitor propõe que “a transição energética seja discutida em termos de políticas públicas que incentivem energias alternativas e eficiência energética, com mudança de comportamento no uso da energia e busca de alternativas a tecnologias obsoletas, como as termelétricas a carvão. Uma transição energética precisa refletir a serviço de quem estará essa nova matriz, e deve responder às perguntas: ‘Energia para quê? Para quem? Como produzi-la?’Defendemos uma transição justa, popular e inclusiva”.
A última atividade do dia contou com o professor Alfredo Ribeiro, da Universidade Federal de Pernambuco, coordenador de projetos de pesquisas de segurança hídrica. Sua participação consistiu em compartilhar resultados de pesquisas que investigaram os impactos das mudanças climáticas no semiárido. O Relatório de Avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental para a Mudança do Clima) – AR6, lançado em 2021, observa o aumento na duração de eventos de seca e sua intensidade, apontando que a grave seca que atingiu o semiárido em 2012 foi responsável pela redução de 99% da produção de milho em Pernambuco e que, numa área de 70 mil km2 no Nordeste brasileiro, a agricultura já não é mais possível. Segundo ele, o cenário não é favorável: “as evidências dos estudos aqui apresentados incluem a intensificação de extremos, como redução da precipitação total na região com o aumento de eventos de precipitação intensa e aumento da severidade da seca acompanhado do aumento da temperatura e menor umidade atmosférica. Nesse sentido, ações em todo o território nacional, bem como no semiárido, são urgentes, e o fomento aos mecanismos de monitoramento hídrico é essencial”, finalizou.
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Sobre o simpósio
Entre os dias 14 e 16 de setembro de 2022, a capital mineira Belo Horizonte recebe a 4ª edição do Simpósio da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – IV SBHSF. O evento, promovido pelo Fórum das Instituições de Ensino e Pesquisa da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco e pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF, terá como tema central a “Gestão hídrica no rio São Francisco: desafios e soluções”.
O principal objetivo do Simpósio é reunir pesquisadores e acadêmicos de todo o país para apresentação de estudos que contemplem a bacia hidrográfica do rio São Francisco e, dessa forma, identificar produções científicas sobre a bacia que possam auxiliar o CBHSF na busca por melhorias socioambientais. O evento conta com a participação nacional e internacional de diversos estudiosos relacionados à gestão dos recursos hídricos.
Assessoria de Comunicação do CBHSF:
TantoExpresso Comunicação e Mobilização Social
*Texto: Leonardo Ramos
*Fotos: Flávio Charchar